sábado, 6 de setembro de 2008

Casamento como ideal.


Quando eu tinha dezessete anos minha mãezinha, infelizmente nos deixou para sempre. Desde então meu pai passou a procurar uma nova companheira que fosse uma nova esposa para ele e uma nova mãe para seus três filhos. Anos depois, quando eu já estava com vinte, meu pai trouxe para casa uma namorada com duas filhas, que seriam nossas irmãs. Começava, assim, uma estória de grandes diferenças.

Diferenças sociais e de família que só o amor de uma grande união pode sobrepujar. Assim, conheci minha futura esposa. Aquela que deveria ser minha irmã tornou-se minha melhor amiga em muito pouco tempo. Dai para um namoro firme não demorou muito.

Apesar de muita resistência de meu pai e de minha madrasta, nosso amor acabou passando por cima de tudo e de todos. Um amor tão forte e duradouro que nada nesse mundo poderia separar.

Assim, seis anos depois de iniciado essa relação tão inusitada, ficamos grávidos e resolvemos oficializar nossa união definitivamente através dos laços do matrimônio.

Casamos apenas no civil, mas mantemos ate hoje o sonho de casarmos no religioso, um objetivo que ainda não conseguimos realizar. A data escolhida foi 28 de setembro de 1991 e nosso primeiro filho nasceu em 19 de dezembro do mesmo ano.

Contrariando várias regras sociais, nossa união encontrou entre outras coisas, a reprovação de muita gente por ser diferente do padrão.

Firmados basicamente no amor verdadeiro, continuamos nossa jornada e hoje somos cinco, com mais um casal de filhos. Nossos dois novos filhos nasceram sete e nove anos depois do primeiro e no mesmo dia, por isso, no aniversário dos dois sempre fazemos uma mesma festa com dois bolos diferentes e decoração também diferente.

IRMÃOS EM COMUM

Meu pai separou-se da mãe da minha esposa menos de dois anos depois da união deles. Dessa união nasceu uma filha que é minha irmã e cunhada em comum, pois, sendo filha da minha sogra com meu pai, é irmã e cunhada da minha esposa também.

Quando contamos esse fato para as pessoas sempre nos divertimos com a confusão criada na cabeça das pessoas. Uma união diferente com uma sólida estória de amor é como eu defino meu casamento.

O resultado disso é uma família feliz e cheia de amor.

Ao longo do tempo nunca vimos problemas em nossa relação até porque nossos pais nunca se casaram oficialmente, apesar de terem ganhado uma filha juntos. Sempre vivemos muito próximos dessa nossa irmã e até ajudamos a criá-la desde que nasceu.

Ao longo de nossos vinte anos de união somando namoro e casamento, fomos padrinhos de oito casamentos. As pessoas nos convidavam por ver em nossa união um modelo de relacionamento o qual queriam ter para si. Acabamos ouvindo de muitos casais e namorados o comentário de que nosso relacionamento é um incentivo para sua união e um modelo de casamento. Para nós sempre foi natural essa caminhada de amor. Não entendemos muito bem porque é que tantos casais se separam atualmente e por motivos tão banais. Vemos no casamento uma grande oportunidade de ampliar a capacidade de relacionamento e desenvolver o afeto, o carinho e o respeito pelo outro.

Passamos por muitos desafios no decorrer do tempo. Desemprego, contas atrasadas, doença dos filhos, mas nada disso enfraqueceu nosso amor. Ao contrário, estivemos cada vez mais unidos e fortalecidos. Quando não tínhamos dinheiro para lazer, bastava um passeio no parque ou algumas esfihas para uma boa diversão em família.

Então, apesar das circunstâncias, sabemos que nossas diferenças fazem uma grande união.

Queremos continuar juntos para sempre. Já combinamos até de envelhecermos juntos e cuidarmos um do outro até que a morte nos separe.

Descobrimos que não há coisa mais gostosa do que estar unido em amor com nossa parte mais diferente.

A NECESSIDADE DE RENOVAÇÃO

Certamente que nem sempre foi fácil manter nossa relação de forma harmônica. Brigas foram poucas, mas, houve. O que mantém um casal unido depois de uma briga não é o arrependimento, mas o plano. É oportunidade de crescimento que se discuta os pontos conflituosos. São as arestas que precisam ser retiradas. E isso, todos temos.

Afinal, ninguém é igual a ninguém e pela diferença se conquista a habilidade de se relacionar.

O mais importante é estar sempre disponível para o diálogo e disposto a resolver. Num casamento, uma discussão não pode motivar uma separação, mas, cem discussões podem enfraquecer o amor. Então, é necessário ter em mente um combinado, que deve ser feito quando os ânimos estão calmos e o amor em alta: Aconteça o que acontecer, vamos estar sempre juntos

Se uma discussão tem poder para motivar uma separação, então isso significa que muita coisa já aconteceu antes pra motivar a separação. Caso o casamento seja muito recente, então, errou-se no motivo do próprio casamento. Pois um casamento ideal deve ser pra sempre. Aliás, essa idéia de casamento ideal é bem interessante de ser abordada.

O que é um casamento ideal?

Existe isso?

Partindo do pressuposto que um ideal é algo a ser perseguido e vivido, então se entende que muito de um casamento não é real, mas apenas vive na imaginação.

O filósofo Platão descreveu essa questão do ideal como algo sublime que vem dos planos elevados do ser.

A teoria das idéias propõe que o mundo factual tem por trás de si uma lei objetiva. Assim como essa lei não é do mundo concreto, mas, sutil, há, também, as idéias que são, como no caso da lei objetiva sutil, pertencentes ao mesmo mundo não fenomênico. Ou seja, as idéias não são construções intelectuais individuais, mas substâncias provenientes de outro mundo de realidades. São, portanto, realidades objetivas de outro plano, das quais as coisas concretas são cópias imperfeitas. Seríamos, portanto, seres imperfeitos, a caminho de nos tornarmos homens conforme o modelo “ideal”.

Uma flor teria por ideal plasmar a beleza. A água corrente de uma nascente teria por ideal plasmar a fluência do espírito que significa a vida no grande organismo que é a terra. Uma águia seria o ideal mais elevado de ser alado com sua capacidade de elevados vôos e de visão de longas distâncias.

Qual seria o ideal do casamento?

Cada ser nesse imenso planeta, vivendo nesse imenso cosmo, tem um propósito. Cada ato traduz uma intenção que carrega uma carga de substância a plasmar algo. Uma vida consciente é, portanto, a melhor maneira de se construir o que há de mais elevado no sentido dos ideais. Nossos ideais devem nos remeter ao cume mais elevado do arquétipo humano. Assim, o casamento, como um arquétipo, vindo do mundo das idéias, traduz uma vontade do Ser Maior que criou todas as idéias perfeitas do ser humano aonde vamos nos basear.

Casamento como união deve ser, portanto, um fim em si mesmo. Casamos a fim de estarmos casados. Por isso se justifica o selo matrimonial da cerimônia católica que encerra com: “na saúde ou na doença, na alegria ou na tristeza, até que a morte os separe”. Casados.

É por isso que na tradição Cristã existe a idéia do cordão de três dobras no casamento que se traduz na união entre o marido, a mulher e Deus representado na figura de Jesus Cristo.

O casamento traduz aquilo que se completa. Um homem e uma mulher representam perfeitamente essa idéia. A união de dois que se tornam um e geram vida como fruto é a prova de que esse é um ideal perfeito.

O desafio da convivência

O grande desafio do casamento é conseguir vivenciá-lo na dimensão do ideal.

Venha o que vier, seja o que for, há um ideal que está acima de tudo no dia-a-dia.

É um princípio, e como tal, não se discute. Quebrá-lo é adulterar. E isso é a maior infâmia para um ser que, já imperfeito, retrocede no processo de uma vida que busca elevar-se no difícil plano do vir a ser. Pois, a busca do viver o ideal é a procura constante e incontinente do princípio da união que se chama casamento.

Buscar algo menor que isso não será digno do casamento. O ideal do casamento traduz uma das formas de se plasmar a união com o ser divino.

O casamento também fornece uma elevada oportunidade de plasmar o relacionamento ideal.

Estar casado é ter a oportunidade de desenvolver a capacidade de relacionamento. Entre tantas, é uma das maiores oportunidades de crescimento nesse quesito, tão esquecido nos dias atuais.

O distanciamento que o mundo moderno gerou com suas tecnologias e o medo insuflado nas mentes pela realidade da violência, entre outras formas de modelos não ideais, faz de nós, reféns de uma vida menor, medíocre, de poucos relacionamentos significativos. O casamento, em seu ideal de união é uma excelente forma de consagrar essa necessidade humana.

Qual é nosso maior desafio como seres humanos senão os relacionamentos?

A maior quantidade de motivos de diálogos que se tem é alimentada por assuntos ligados a diferenças e dificuldades em relacionamentos humanos. Discussões acaloradas no ambiente familiar são sempre motivadas pelas dificuldades nesse plano das relações onde todos se conhecem, mas nem sempre se respeitam. No ambiente profissional, a disputas são o fator de motivação. Nada mais equivocado para o crescimento relacional.

E os equívocos não terminam aqui. Nossa cultura está permeada de desencontros nos valores para a convivência. É que ela não é estimulada, mas a individualidade sim. Vivemos uma era, onde a educação busca formar um ser produtivo e não um ser com substância autônoma, uma individualidade criativa. Esse paradoxo impetra no seio da família o conceito da competitividade por um lugar ao sol e não uma humanidade por uma vida digna.

Afinal, que resultados buscamos em nossa vida? Queremos estar casados, mas não fazemos questão de um relacionamento ideal?

Toda nossa vida deve ser vida como um ideal. Ainda que não consigamos plasmar sua perfeição, sua busca não se acaba. Essa deve ser a razão de nossa vida, materializar uma vida perfeita, feliz. E uma vida assim, é uma vida ideal, de valores bem definidos. Os equívocos devem ficar de fora.

Os frutos de um relacionamento como esse deverá nos fazer provar os frutos com sabor do néctar divino da alegria, onde os problemas são apenas, os caroços.


Os frutos do casamento

Quais frutos podemos esperar de um casamento ideal?

União estável é o primeiro.

Sim, pois se toda a razão do casamento é estar unido pelo ideal, e esse ideal deverá se traduzir em felicidade, alegria, valores elevados e crescimento, nada melhor do que permanecer nesse propósito.

Todo o propósito deve ser mantido pelo exercício da vontade. Daí que nossa vida é uma atividade dinâmica de manifestação da vontade. Sendo essa vontade, delineada por um ideal superior, viveremos uma vida plena.

Querer conviver manifestando um relacionamento apoiado num ideal de casamento feliz. Esse é o propósito para os que ambicionam ou já estão nesse caminho.


Valores sólidos é outro fruto.

Ao olhar dentro dos olhos de sua esposa ou marido, você poderá ver um ser simples, mas com uma presença inegavelmente forte. Você não consegue negar a existência de um ser ao olhá-lo nos olhos. Somos uma força viva e caminhamos por valores.

Os valores do casamento, enquanto união perfeita constitui uma das bases para a continuidade do ser: a união com o outro. Não nos completamos no outro, mas, nos completamos com o outro.

Ao me completar na união com o outro, vivo considerando o outro como uma fonte de oportunidade de ser sempre melhor. O outro passa a ser o melhor motivo, a maior oportunidade que tenho de vir a ser.

Isso não é um apoiar-se no outro, mas aproveitar a união para desenvolver o ser. É ser o melhor que posso me tornar na prática da união com o outro.

Poucas são as oportunidades que temos para isso na vida. A união do casamento é a melhor delas. Outra é a amizade. Outra é a comunhão em círculos de relacionamento, como igrejas e agrupamentos afins.

As maiores causas de separação são o egoísmo e as incompatibilidades. Esses casais passaram longe do modelo do casamento ideal. È claro que um casamento também pode dar errado por outros motivos que não o egoísmo e incompatibilidades do casal, mas esses motivos estarão sempre presentes em torno do motivo da separação, seja por causa dos filhos, seja pelos parentes próximos. As causas de uma separação estarão quase que invariavelmente ligadas a estes dois motivos, seja direta ou indiretamente. Resolvidos esses motivos e trabalhando nos princípios da união, qualquer casal pode ficar junto por longo tempo e curtindo excelentes momentos e crescimento mútuo.

Separatividade e separação em todos os níveis.

O que separa vem de fora, o que une vem de dentro. O que o mundo nos oferece, o que vem de fora, pode estimular em nós as buscas egoístas. Viver em razão de uma vida de riquezas, ou de status e poder unicamente pode ser perigoso para quem quer uma vida de relacionamento. Não digo que seja impossível, mas incompatível. Buscar dinheiro, status e poder pode não ser mau em si mesmo, as intenções pelas quais se busca sim. O foco, a energia que se coloca nisso, a medida do esforço e a intenção que se tem para o uso desses valores é que podem ser perigosos. Ter isso como único alvo é o erro.

A separatividade também está incutida na alma como uma ilusão. É a maior de todas.

Isso é desenvolvido em nosso ser por causa das ilusões da busca que o mundo nos oferece. Acreditar que existe um futuro onde devemos ser outras pessoas é uma ilusão que cria um modo antinatural de vida. Uma tensão se instala e não se vive a consciência do presente. Viver um futuro inexistente é viver uma ilusão, uma inverdade. Viver buscando respostas no passado é outra ilusão que enfraquece o verdadeiro ser. Tanto o passado como o futuro habitam, ambos no presente. A verdadeira vida está toda no presente.

A separatividade é desenvolvida a partir do momento que se começa a buscar ser o que não é. A sociedade nos impõe regras a partir de modelos baseados em consumismo, isso gera uma corrida que nunca será satisfeita, produzindo ansiedade e frustração. Conseqüentemente o medo se instala e impossibilita a visão do verdadeiro ser interior.

Nesse estágio manifesta-se os aspectos do nível emocional. Vaidades e orgulho são os mantenedores de um estado que tende a se perpetuar caso não se quebre esse círculo vicioso.

Para se livrar disso só mesmo uma tomada de consciência de si mesmo. Ampliar suas percepções interiores para sair dessa roda do destino materialista e egocêntrico.

É na visão da individualidade que está a saída. Num posicionamento íntegro. Numa vida ética, coerente e harmônica. Não se pode mudar a sociedade e os costumes, mas pode-se viver de acordo com princípios de vida, apesar da sociedade. Não precisamos buscar obstinadamente nos tornar aquilo o que os modelos de negócios nos impõem. Não precisamos usar a moda que nos mostram e sairmos pelas ruas uniformizados, em função do pensamento de alguns que só visam ganhar sobre nós. Não precisamos possuir tudo que se produz de tecnologia e quinquilharias que se expõe pelas vitrines das lojas. Viver assim é viver para os outros, é viver uma ilusão que causa paralisia da energia vital e cegueira da alma. Assim tornamo-nos concorrentes e não individualidades. Ser um concorrente é estar separado. Viver assim é alimentar a separatividade.

Casamento ideal não existe na prática, o que existe é a busca, na prática, do ideal de casamento.

Viver isso a cada dia pode ser o melhor para um casamento feliz. É o mais difícil para um mundo que só oferece facilidades. Mas, das facilidades que não trazem felicidade ao trabalho constante que promove a felicidade eu prefiro o mais difícil.

Maõs a obra.

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