domingo, 11 de maio de 2008

A Ética da Vontade no Casamento


Temos dois modos de vivermos nossa vida. Uma é pela vontade dos outros e outra é pela nossa vontade própria.
Meditei nisso e percebi que em muitos momentos, a maioria deles, vivemos uma mescla dos dois. Em certos momentos é nossa vontade que prevalece e em outros não. Por vezes a vontade do outro é o melhor pra nós, em outras é a nossa vontade que é melhor para o outro. Mas nunca devemos viver sem vontade própria.
Buscamos um modo de viver que nos satisfaça e não deve ser apenas as vontades do corpo, do bolso, da emoção e da razão. Não podemos perder de vista nossa vida espiritual que também se manifesta por vontade.
Gostaria de colocar o tema vontade com a grande importância que merece. É que me refiro a uma vontade que não tem a ver apenas com desejo. A vontade que me refiro não é como o desejo de ler um livro, comer ou beber, divertir-se, fazer compras, falar com alguém, etc. Falo de uma vontade mais profunda, uma vontade que habita na raiz de nosso ser, que determina os rumos de nossa vida. Tomar um sorvete pode significar um desejo realizado, uma vontade conquistada, mas não decide os rumos de nossa vida num contexto maior. E é disso que quero falar, os rumos de maior extensão em nossa vida. Em especial no que se refere ao casamento; a vida a dois.
É um tema muito pouco explorado, mas de excepcional importância na vida do ser humano, a questão da vontade superior. Essa qualidade de vontade é a que coloca o carro no caminho que nos leva a um destino determinado, apesar de nem sempre definido.
Essa é a vontade da alma.
Os orientais chamam essa vontade de mental superior ou abstrato. Trata do subjetivo, da imaginação, está mais relacionado com o Eu Superior ou Crístico, com a Individualidade. É o Corpo Causal, é causa, detentor da vontade e imaginação, é normalmente o gerenciador dos programas e ações do ser. Apega-se facilmente ao mando e poder, é o nível que tem o atributo do domínio do meio onde o ser vive, podendo por alguma contrariedade reagir negativamente a esse meio.
Na Wikipédia, a enciclopédia eletrônica, o termo vontade é descrito assim:

Vontade é a capacidade através da qual tomamos posição frente ao que nos aparece. Diante de um fato, podemos desejá-lo ou rejeitá-lo. Ante um pensamento, podemos afirmá-lo, negá-lo ou suspender o juízo.

Para os filósofos Santo Agostinho e Descartes, vontade e liberdade são a mesma coisa: a faculdade através da qual somos dignos de louvor, quando escolhemos o bom, e dignos de reprovação, quando escolhemos o mau.

Agostinho e Descartes concordam em que o fato de nós humanos termos vontade nos torna responsáveis pelas nossas decisões e ações. A dimensão moral do homem decorre do fato dele ter vontade.

Em Agostinho, a escolha digna de reprovação é pecado. Em Descartes é erro. O pecado é uma falta religiosa oriunda da vontade. O erro é uma falta moral ou epistêmica. Moral quando a falta oriunda da vontade é prática. Epistêmica quando a falta oriunda da vontade é teórica.

Agostinho e Descartes também concordam em afirmar que o fato de termos vontade não só nos torna responsáveis por nossos atos e decisões como também livra Deus de qualquer responsabilidade sobre a mesma, tal como explica a teodicéia.

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Na Bíblia temos o conceito de que a vontade de Deus opera em nós, vemos isso atravéz do salmo:

Deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus meu; sim, a tua lei está dentro do meu coração. Salmos 40:8

Para o conceito filosófico dos clássicos Gregos, como Aristóteles, por exemplo em sua Ética a Nicômaco, a vontade é boa quando busca o que é bom e rejeita o que é mal.
Aristóteles aborda o tema da ética em uma profundidade madura e de forma sistemática vai colocando o assunto de maneira que ele seja um motivador de nossas ações práticas. Para ele, a felicidade se atinge na medida em que se busca o bem supremo na vida. Afirma que tudo o que buscamos, o fazemos pela felicidade própria, que buscamos as coisas pelo bem que elas nos podem proporcionar e que o bem supremo que existe em todas as buscas é a felicidade.
Nesse ponto a bíblia corrobora com a passagem onde mostra que a qualidade da vontade pode ser aprendida:

Ensina-me a fazer a tua vontade, pois és o meu Deus. O teu Espírito é bom; guie-me por terra plana. Salmos 143:10

Voltando a Aristótels, a vontade para ser boa precisa ser aplicada com prudência para que atinja a excelência moral. Para Aristóteles, a excelência moral não é emoção ou faculdade, mas disposição da alma - exatamente uma disposição para escolher o meio termo.
É nesse ponto que eu quero chegar, a vontade do homem deve ser usada com prudência, voltada para o bem comum e supremo.
Num casamento perfeito, portanto, a vontade de um deve ser para o bem do outro, para a felicidade mútua, pela busca prudente do bem supremo do casamento.
Os Cristãos reconhecem em Deus a fonte da vontade para a busca do bem supremo que é a felicidade. Assim, oram o Pai Nosso, que afirma em uma de suas súplicas: "Seja feita a sua vontade."
Ainda conforme o relato bíblico, essa capacidade de boa vontade foi encarnada de forma perfeita em Jesus o Cristo quando de seu nascimento anunciado pelos anjos:

E, no mesmo instante, apareceu com o anjo uma multidão dos exércitos celestiais, louvando a Deus, e dizendo:
Glória a Deus nas alturas, Paz na terra, boa vontade para com os homens.Lucas 2:13-14


No livro Convite a filosofia de Marilena Chauí a vontade faz frente ao desejo e posiciona-se de forma vantajosa:

A vontade difere do desejo por possuir três características que este não possui:

1. o ato voluntário implica um esforço para vencer obstáculos. Estes podem ser materiais (uma montanha surge no meio do caminho), físicos (fadiga, dor) ou psíquicos (desgosto, fracasso, frustração). A tenacidade e a perseverança, a resistência e a continuação do esforço são marcas da vontade e por isso falamos em força de vontade;

2. o ato voluntário exige discernimento e reflexão antes de agir, isto é, exige deliberação, avaliação e tomada de decisão. A vontade pesa, compara, avalia, discute, julga antes da ação;

3. a vontade refere-se ao possível, isto é, ao que pode ser ou deixar de ser e que se torna real ou acontece graças ao ato voluntário, que atua em vista de fins e da previsão das conseqüências. Por isso, a vontade é inseparável da responsabilidade.

O desejo é paixão. A vontade, decisão. O desejo nasce da imaginação. A vontade se articula à reflexão. O desejo não suporta o tempo, ou seja, desejar é querer a satisfação imediata e o prazer imediato. A vontade, ao contrário, realiza-se no tempo; o esforço e a ponderação trabalham com a relação entre meios e fins e aceitam a demora da satisfação. Mas é o desejo que oferece à vontade os motivos interiores e os fins exteriores da ação. À vontade cabe a educação moral do desejo. Na concepção intelectualista, a inteligência orienta a vontade para que esta eduque o desejo. Na concepção voluntarista, a vontade boa tem o poder de educar o desejo, enquanto a vontade má submete-se a ele e pode, em muitos casos, pervertê-lo.


O propósito desse tema é o de mostrar que todos nós temos a vontade como um atributo que delineia nosso caráter, nossa personalidade e nossa ética moral.
Assim, cada componente do casal tem em si mesmo a capacidade de escolher os elementos que vão formar os conteúdos internos para o bom relacionamento com o outro.
Ao longo do convívio, portanto e dependendo das escolhas de cada um, o destino do casal pode ser de felicidade mútua ou de separação com discórdia. O meio termo seria algo como um convívio neutro onde, um pouco toma conhecimento do outro, ou uma separação, onde os dois se preferem distantes ainda que amigos.
A vontade precisa ser treinada, ainda mais essa vontade superior. A vontade espiritual dos componentes da dupla estará na posição correta quando buscar em primeiro lugar o seu desenvolvimento pessoal, espiritual, depois o bem estar do outro.
É necessário que cada um deles tenha seu amor próprio desenvolvido, que o relacionamento não seja de dependência, onde um, só se torna pleno através do outro. Ou de co-dependência, onde os dois se completam nas virtudes do outro.
É importante que se saiba que o desenvolvimento espiritual é pessoal e intransferível, ou seja, não deve haver laços de dependência no processo de crescimento da consciência do ser, mas individualidade. A convivência permite que cada um tenha seu espaço preservado pelo respeito, amor e apoio do outro.
Esse desenvolvimento culmina na plena integridade do caráter do indivíduo. Sendo um casal, vai se perceber um convívio onde, cada um se manifesta de forma única, porém com fins mútuos.
Essa é a beleza do casamento.
A vontade de ambos deve incluir a continuidade da relação, assim, qualquer revés trás em si mesmo a continuidade da união, junto com a busca da solução do problema.
Imagine um casal que se uniu desejando que seu cônjuge lhe completasse as deficiências e debilidades da alma. Essa é um tipo de união corriqueira, onde uma ou ambas as partes vê no outro um complemento e não um acréscimo. Caso um dos componentes da união venha a faltar, seja por separação ou por morte, o outro vai se sentir perdido e sem o apoio no qual se colocou em dependência para viver.
A visão do complemento tem apoio nos aspectos da personalidade e do temperamento. As questões passionais e de caráter físico, envolvendo os desejos carnais e de acasalamento desenvolvem muito bem quando apoiados no outro como complemento. Já as questões da alma estão voltadas ao eu superior, ao indivíduo (de indiviso, indivisível). O indivíduo é em si mesmo a razão única de sua história, uma cosmogonia em ação, um cosmo em forma de pessoa humana. O homem senhor de sua vontade tende a se tornar único e parte de sua raça. É seu próprio apoio e ao mesmo tempo parte integrante de um todo maior, de uma congregação planetária chamada raça humana.
O casal deve perseguir, cada um, seu crescimento particular ao nível da alma, ainda que contando com o apoio do outro, ou não e ao mesmo tempo, compartilhar com o outro de suas necessidades e carências ao nível da persona, do material, do carnal, do emocional, do psíquico no dia-a-dia.

Conversando com um amigo, ouvi o seguinte comentário: A mulher que eu quero pra mim deve ser aquela mulher que vai estar me esperando quando eu chegar cansado do trabalho, com a comida quentinha na mesa, com um sorriso nos lábios e cheirosa.
Esse é um típico comentário de um componente do casal que visa um relacionamento puramente fincado nos aspectos da persona.
Meu comentário a ele foi no sentido de abordar a questão sob outra ótica, eu lhe disse: Você não prefere olhar pela ótica dos princípios. O que acha de querer uma mulher que seja fiel, amiga, generosa, prudente, respeitosa...
Esses princípios éticos abrangem toda uma gama de comportamentos positivos num relacionamento e vão dar uma tônica não egoísta.
Certamente não deve ser apenas um discurso, mas um foco em princípios. São termos abstratos e que, embora subjetivos, descrevem comportamentos voltados a uma união inteiramente salutar para ambos.

É impossível um bom relacionamento que não esteja pautado em um conjunto mínimo de afinidades, sejam elas, intelectuais, temperamentais, ou objetivos particulares.
Depois que fazemos nossas escolhas no período do namoro, o casamento deve confirmar essas escolhas de forma prática.

Meu amigo me disse que buscava uma mulher que fosse da igreja, mas não freqüentava a igreja para conquista-la e sim as baladas. Quando começava a namorar alguma mulher da balada, mesmo que ela lhe dissesse que freqüentava a igreja não lhe agradava por seu comportamento festeiro. Essa é uma clássica falta de ética pessoal, diz-se uma coisa e faz-se outra. Assim, atrai pessoas semelhantes.
Nesse sentido, a ética tem a ver com alinhamento. Uma pessoa ética deve pensar, falar, sentir e fazer a mesma coisa. Pensar uma coisa, falar outra e fazer outra, certamente vai produzir sentimentos de confusão. Essa não-ética desenvolve frustração e nunca vai satisfazer os desejos contraditórios. Num relacionamento, esse modo de ser mina a confiança mútua e não estabelece afinidades.

Quando os dois componentes do casal estão buscando em sua vida particular, uma vontade superior, os conteúdos éticos vão produzir uma relação duradoura e estável.
Vontade superior é aquela que busca o bem comum, a felicidade mútua, as melhores escolhas.
Só assim é possível ser feliz no casamento.
Santo Agostinho nos deixou uma boa solução, pautada no amor. "Ama e faz o que quiseres"

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